A 11 de Fevereiro de 1985, o Papa publica o Motu Proprio Dolentium Hominum. Depois de algumas considerações em que se afirma que a Igreja demonstrou sempre o mais vivo interesse por todos os que sofrem, seguindo aliás o exemplo do seu Fundador, o Santo Padre recorda a importância da pessoa humana e do seu destino segundo os desígnios de Deus, os progressos significativos da sociedade civil em tudo o que diz respeito à saúde dos homens, as questões delicadas que neste campo se colocam e que têm para além de uma dimensão social e institucional, também uma dimensão ética e religiosa. Lembram-se ainda, neste Motu Proprio os inúmeros organismos e instituições da Igreja que se têm dedicado aos problemas do sofrimento humano e da saúde das populações: congregações e instituições religiosas com as suas estruturas de saúde; colégios e associações de médicos católicos e também dos chamados paramédicos, enfermeiros, farmacêuticos, voluntários; os organismos diocesanos, inter-diocesanos, nacionais e internacionais que surgiram para acompanhar os problemas da medicina e da saúde. E o Papa termina dizendo que se impõe uma coordenação de toda esta actividade.
É dentro deste contexto que se definem os objectivos da Pastoral da Saúde que são, no dizer do Papa:
– “conseguir-se uma obra de conjunto inteligente, programada, constante e generosa, não só dentro de cada país, mas também a nível internacional”
– “realizar o anúncio mais claro e a defesa mais eficaz da fé, da cultura e do compromisso cristão na investigação científica e no exercício da profissão em saúde”
– “favorecer e difundir uma melhor formação ético-religiosa dos profissionais de saúde cristãos, no mundo, tendo em conta as diversas situações da vida e os problemas específicos com que se defrontam no desempenho da sua profissão”
– “promover e intensificar as necessárias actividades de estudo, aprofundamento e iniciativas relacionadas com os problemas específicos do serviço de saúde, no contexto de uma visão cristã do verdadeiro bem para o ser humano”
– “sensibilizar para os verdadeiros problemas éticos em que os cristãos e a Igreja têm o dever de intervir com valentia e clarividência, para salvaguardar valores e direitos essenciais à dignidade e ao destino supremo da pessoa humana”
– “coordenar todas as instituições católicas, religiosas ou leigas, destinadas à Pastoral junto dos doentes”
Dentro desta visão global, o Motu Proprio define a acção do Conselho Pontifício da Pastoral da Saúde que é extensivo ao trabalho a desenvolver pelas diversas Comissões Nacionais e Diocesanas da mesma Pastoral.
– estimular e promover a obra de formação de estudo e da acção que as Associações Católicas desenvolvem no sector da Saúde;
– coordenar com oportunidade as diversas actividades desenvolvidas pelas várias estruturas da Igreja na sua relação com o mundo da saúde e com os seus problemas;
– explicar, defender e difundir a doutrina da Igreja em matéria de saúde e fomentar na prática a sua penetração junto dos agentes de saúde;
– actuar em estreita relação com as Igrejas Particulares (dioceses) e especialmente com as Comissões Episcopais para a Pastoral da Saúde;
– seguir com atenção e estudar orientações programáticas e iniciativas concretas no sector da saúde com o fim de avaliar a sua importância e as suas implicações na actividade da Pastoral da Igreja.
A partir da proposta sugerida pelo Motu Proprio “Dolentium Hominum”, na prática dos diversos países e na exigência nascida sobretudo de duas grandes Encíclicas de João Paulo II, a Evangelium Vitæ e a Veritatis Splendor, foram-se perfilando uns tantos objectivos para a acção que a Pastoral da Saúde desenvolve. São eles:
– A defesa intransigente da vida: A vida é um dom que nunca pode estar em causa ou ser sacrificado. “O valor sagrado da vida humana tem de ser respeitado e promovido desde o seu início até ao seu termo. Todo o ser humano tem de saber plenamente reconhecido este seu bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política”. A Pastoral da Saúde actua sempre na defesa da vida e da sua promoção. É o primeiro de todos os seus objectivos.
– O respeito pela pessoa humana, a sua dignidade e todos os seus direitos. O ser humano é o fundamento de toda a ética. Na saúde, no exercício de cuidados, na prevenção da doença, no acompanhamento dos doentes, na informação dentro de um quadro de verdade, na atenção às convicções filosóficas ou religiosas, na defesa da privacidade da pessoa e na preocupação pela originalidade de cada um, está um universo vastíssimo que se enquadra nos direitos humanos fundamentais. A Pastoral da Saúde preocupa-se por que todos esses direitos, em cada doente e em cada profissional, sejam respeitados e promovidos.
– O serviço do doente e não apenas o seu tratamento. Uma das tentações dos profissionais de saúde, sobretudo neste tempo de prevalência da ciência e da técnica, está em tratar o doente, dar-lhe todo o apoio, utilizando os inúmeros meios de diagnóstico e todos os recursos da medicina para a sua recuperação integral. Esquece-se, por vezes, a visão global da pessoa no seu complexo bio-psico-social-cultural e espiritual. A Pastoral da Saúde tem a preocupação de assegurar o serviço de apoio a toda a pessoa sem esquecer os problemas sociais, familiares e mesmo religiosos que possa trazer consigo.
– A solidariedade para com todos, sobretudo para com os mais pobres. A arte de cuidar, olha a pessoa toda, tem também uma dimensão universal e considera todas as pessoas sem distinção. A Pastoral da Saúde tem, porém, a preocupação de privilegiar os mais pobres e os que mais sofrem, precisamente porque são esses que precisam de mais cuidados ou se sentem mais sós. Daí o desafio da solidariedade. Para além da tolerância ou da convivência normal, aceita-se o diferente e privilegia-se dando-lhe maior atenção humana, precisamente pela solidão e abandono a que o mais pobre está votado.
– A humanização e a atitude ética na arte de cuidar. Não basta a qualidade científica e técnica dos profissionais e das unidades de saúde. Além da qualidade científica e técnica exige-se a qualidade humana. Estamos a servir pessoas e, por isso, não podemos deixar de ter preocupações humanizadoras: humanização dos cuidados, das relações, das estruturas, dos equipamentos e, mesmo, dos espaços. A Pastoral da Saúde preocupa-se por esta humanização integral que permite uma atitude ética em toda a arte de cuidar. Não se tem, nem se pode ter em saúde, uma relação prevalentemente burocrática, económica, técnica, a relação em saúde tem de ter predominantemente uma preocupação humana e humanizante. Por isso, se fala constantemente dos direitos e deveres dos doentes. São pessoas e a relação com cada um deles é uma relação pessoal, relação de ajuda integral.
– A competência e a qualidade profissional dos diversos agentes na comunidade de saúde. A Pastoral da Saúde bate-se pela específica responsabilidade dos profissionais de saúde na área da sua competência específica, sejam médicos, enfermeiros, farmacêuticos ou outros. Se a missão dos leigos é a de “tratar da ordem temporal e orientá-la segundo Deus para que progrida e assim glorifique o Criador e Redentor, a qualidade profissional dos agentes de saúde cristãos é parte integrante da sua vocação de leigos na Igreja. Por isso, a Pastoral da Saúde multiplica iniciativas que, sobretudo nas áreas mais sensíveis, dê uma outra formação e qualificação aos profissionais de saúde, sobretudo àqueles que se dizem cristãos.
– A acção em equipa e com sentido de co-responsabilidade. Toda a acção em saúde é pluridisciplinar. Nenhum médico ou enfermeiro pode assegurar uma assistência integral. Mesmo para além das funções técnicas, há elementos que são indispensáveis como são a actividade do assistente social, do psicólogo, do voluntário e do capelão hospitalar. Todo o trabalho em saúde tem de ser feito em equipa. É neste sentido que a Pastoral da Saúde se preocupa por criar equipas pluridisciplinares que possam enquadrar o doente no seu todo, assegurando a sua assistência integral. Todos sabemos que 50% da cura depende do estado anímico do paciente e que aquele depende da solução conseguida para os problemas sociais, da resposta afectiva dos seus familiares ou do apoio espiritual dado pela religião que é a sua. Neste contexto, só uma acção em equipa é garantia da integralidade da assistência. Todos são co-responsáveis, todos se entre-ajudam, cada um com a sua competência, mas todos empenhados na assistência global do doente.
– O apoio espiritual aos doentes e aos profissionais de saúde. É missão específica da Igreja o auxílio espiritual e mesmo religioso a todas as pessoas. Numa situação de enfermidade, este apoio torna-se mais importante ainda. A doença e o sofrimento trazem sempre consigo acrescidas angústias. Saber escutar, dar tempo, estar disponível, são elementos indispensáveis à recuperação integral de quantos estão marcados pelo sofrimento. A Pastoral da Saúde tem consciência de que faz parte integrante da sua missão, através dos agentes pastorais, capelães, auxiliares de capelania, voluntários e outros, acompanhar espiritualmente todos quantos o necessitam. Este acompanhamento reveste a forma de evangelização, anúncio de Jesus Cristo, de sacramentação, com a oferta dos sacramentos da Reconciliação, da Eucaristia, da Unção dos Doentes, ou simplesmente da visitação com todo o empenhamento na situação concreta do sofrimento em que o doente se encontra. Da mesma maneira, a Pastoral da Saúde pretende, através dos seus agentes, ajudar os profissionais de saúde que tantas vezes se debatem, quer com decisões éticas que merecem reflexão profunda, quer com tempos de sofrimento ou desilusão que pede um acompanhamento espiritual privilegiado. Este trabalho não é fácil, mas é indispensável para escutar, aconselhar, acompanhar ou simplesmente apoiar doentes e profissionais que desta ajuda necessitam. É esta a amplitude da Pastoral da Saúde, muito multifacetada mas com uma acção extraordinária, como presença viva da Igreja junto daqueles que sofrem e também perto de quantos, no universo da saúde, trabalham para dar mais anos à vida, mais vida aos anos, mais qualidade de vida a todos, mais alegria, mesmo na dificuldade.